por Carolina Noto
Trabalho originalmente apresentado para a cadeira de Filosofia Moderna – FFLCH USP
A evidência da verdade para Leibniz é algo intrínseco às coisas. Seja essa coisa uma existência ou uma essência, desde que seja possível, a sua verdade é logicamente válida. Para as coisas impossíveis não há verdade. Quando uma proposição implica contradição ela é logicamente impossível e é, portanto, falsa. A construção de uma verdade absoluta é formal e é através dessa perspectiva que se chega a sua evidência analítica, no âmbito da identidade e da tautologia. As verdades são de duas espécies: as necessárias e as contingentes. As verdades necessárias são válidas para todos os mundos possíveis, pois são eternas, por outro lado, as verdades contingentes só são relativas à realidade, por tempo determinado. As primeiras também são nomeadas “verdades de razão” e as segundas de “verdades de fato”.
“Verdadeira é uma afirmação cujo predicado está incluído no sujeito” (Leibiniz; Verdades necessárias e Contingentes); em toda proposição verdadeira e afirmativa, necessária ou contingente, a noção de predicado está contida na noção do sujeito.
Uma proposição logicamente necessária é concernente a um ser de essência e é demonstrada pela análise de seus termos. É aquela que pode se resolver em proposições idênticas, cujo oposto implica contradição: necessidade metafísica ou geométrica. O princípio mais importante que determina as verdades de razão é o Princípio de Identidade que diz respeito às primeiras verdades, fundamento de todas as outras. O princípio lógico intrínseco às verdades é de caráter objetivo e independe do arbítrio divino: Deus pensa as verdades lógicas a partir da conexão lógica intrínseca a própria verdade. O que carece de tal necessidade lógica é contingente. Para as verdades de fato o princípio de identidade já não é mais demonstrável, uma vez que são verdades mais complexas, formadas de elementos heterogêneos, relativos ao mundo físico. Neste âmbito trabalha-se com outros princípios, dentre os quais o mais importante é o Princípio de Razão Suficiente. Este é o princípio mais importante para se compreender a causa dos seres que não são logicamente necessários, mas que, no entanto, possuem uma razão de ser. Uma razão de ser que não é absolutamente necessária, já que não está submetida a regras racionais de expressão lógica; é uma razão de ser determinada por regras racionais morais, e não lógicas, que por sua vez também expressa a perfeição de Deus, particularmente a Sua bondade. As verdades contingentes são concernentes às existências das coisas, verdadeiras em um tempo determinado e “… não só expressam o que pertence à possibilidade das coisas, mas também o que existe atualmente ou o que contingentemente haveria de existir…” (Leibniz; Verdades necessárias e contingentes).
Apesar de serem de dois tipos, as verdades encerram quatro classes de seres, cada uma determinada por um princípio específico.
Dentre as proposições necessárias, existem as absolutamente necessárias ou virtualmente idênticas e as derivadas dessas. Ambos os tipos anunciam verdades eternas que existiriam mesmo que Deus tivesse criado o mundo segundo outra norma.
A primeira classe de seres pertencente à esfera das essências e das verdades necessárias é a dos seres completos, idênticos, absolutos, primeiros possíveis, que são levados ao infinito por causa própria, que não se contradizem entre si, que são indefiníveis e que, finalmente, são noções primitivas e absolutamente simples, atributos de Deus: são as formas que compõe metafisicamente esse Ser. A esses seres diz respeito as proposições absolutamente necessárias. Como veremos mais adiante, são os definidores e a razão última do seres da segunda classe (exemplo: números primos, axiomas geométricos como “ponto”, “espaço”). A classe dos Idênticos é infinita e é regida pelo Princípio de Identidade ou de não contradição.
A segunda classe de seres também relativa às essências e verdades necessárias é a dos definíveis. Um termo definível é aquele que tem sua identidade posta por meio de pelo menos dois outros termos (os definidores), por exemplo: o número “3” é definido por “2” e “1”. Os definíveis são noções derivadas. São simples, as que se definem por meio de duas noções primitivas sob uma relação simples; são noções derivadas compostas, as que são definidas por meio de três primitivas ou uma primitiva e uma derivada simples sob uma relação composta (exemplo: a “linha”, que é definida pelo espaço intermediário entre dois pontos).
Os seres definíveis dependem de relações ou combinatórias entre as formas absolutas, mas continuam sendo independentes de qualquer arbítrio: a relação lógica necessária dessa combinatória não depende de nenhum ato de criação e vontade. Deus, constituído de formas absolutas e como um infinito em si, possui em sua mente essa outra classe de seres, que por sua vez, também é um infinito. Esse segundo infinito, diferente do infinito dos seres idênticos, não é regido pelo princípio de identidade, propriamente dito, mas por um Princípio de Similitude. Um infinito não em si, mas por uma causa. É o infinito dos seres “extensos” e dos relativamente simples.
A terceira classe de seres está inserida em uma terceira ordem de infinito, que abarca os seres chamados, por Deleuze (Deleuze; Leibniz: a dobra) de “coisas”. As verdades relativas a essa classe são as contingentes. Por não ser nem absoluta nem relativamente simples, uma “coisa” não é suscetível de análise que demonstre seu princípio de identidade, ou seja, que todo predicado atribuído ao sujeito de que é noção já está contido nela.
Sabemos que uma coisa, entendida como sujeito, pode ter mais de uma noção. Para um mesmo sujeito, neste caso coisa, Deus pensa várias noções logicamente possíveis. Por esse motivo, portanto, que a verdade referente a esses seres é contingente: se, assim como Deus, também podemos pensar que é possível existir diferentes noções para um mesmo sujeito sem que nenhuma delas implique contradição, o que determina a veracidade relativa a esses sujeitos e predicados não é um princípio lógico, determinante somente das verdades chamadas de “necessárias”, mas um princípio contingente. Tal princípio é chamado de “Razão Suficiente”. Toda noção possível de um sujeito é constituída de uma série lógica ordenada por regras racionais inerentes a Deus. Um sujeito ou uma coisa tem tantas noções quanto possibilidades de séries lógicas. Sendo toda noção uma série lógica, a série de cada uma deve ser necessariamente da maneira que é, caso contrário não seria ela mesma. O que observamos aqui é que apesar de uma noção ser uma série necessariamente lógica de relações entre os predicados de um sujeito, o oposto dessa série lógica ou o oposto dessa noção relativa ao mesmo sujeito não é contraditório ou impossível. Diferente dos seres Idênticos e dos Definíveis, as “coisas” são seres mais complexos e a necessidade que possuem não é tão absoluta quanto a dos seres de verdades eternas. Essa é a classe da realidade possível.
Enfim, a quarta classe de seres é o das substâncias individuais ou mônadas que constituem a realidade atual. As verdades relativas a tais seres continuam sendo contingentes. Não são mais coisas possíveis, nem identidades ou extensões: são individualidades existentes. Não são formas, grandezas ou coisas, são substâncias. Se tomada como sujeito, os predicados da noção de uma substância formam ainda uma série lógica infinita assim como as coisas. Porém, a diferença entre “coisa” e substância, é que esta existe em conformidade com somente uma noção, enquanto uma “coisa”, tomada como sujeito, possui várias noções possíveis. Na verdade, uma substância é uma “coisa” que passa a existir, e a noção da substância existente é uma das noções possíveis da “coisa”. Ao passar da realidade possível para a atual, uma noção torna-se existente graças a uma escolha divina. Entre todas as noções possíveis, Deus, através de um critério “do melhor” e “mais perfeito”, atualiza o maior número possível de noções compossíveis e harmônicas entre si. Por um ato de vontade Deus cria o mundo real que é o “melhor dos possíveis”.
O mundo criado, ou seja, a realidade atual é uma série única e infinita. Para a classe de seres do mundo real o infinito adquire um quarto sentido. O infinito define-se por uma lei de ordem que classifica e transforma as séries infinitas existentes em cada noção atualizadas num conjunto: o conjunto atualmente infinito do mundo.
Cada indivíduo real ou mônada contém em si e expressa inteiramente a mesma série infinita única, embora expressem claramente somente uma porção dela. As substâncias distinguem-se entre si por suas maneiras internas e particulares de expressar esse mundo: a singularidade de cada uma.
Sendo a evidência de uma verdade algo intrínseco às coisas, em relação às substâncias individuais, dotadas de verdades contingentes, a verdade de seus acidentes está também incluída no sujeito. Porém, nem indefinidas análises dos termos de uma proposição que as tome como sujeito demonstram a identidade ou o termo comum da substância e seus predicados. A razão das verdades concernentes a existência das coisas só é compreendida a priori pela mente de Deus, que é infinita, e não pode ser demonstrada por nenhuma análise.
Os predicados de uma substância individual exprimem seus estados em momentos diversos: a sua noção expressa o que pertence a possibilidade das coisas ou o que existe atualmente ou que contingentemente haveria de existir. A razão para essas verdades contingentes serem como são, não pode ser descoberta sem o conhecimento perfeito de todas as partes do universo, o que está fora do alcance de qualquer criatura: “… las partes de culquier cuerpo son actualmente infinitas; por lo cual, ni el sol ni cuerpo alguno puede ser perfectamente conocido por una criatura…” (Leibniz; Verdades Necessárias e Contingentes) Deus não precisa fazer a análise das verdades contingentes, ou de um ente contingente, pois vê a partir da noção de cada substância individual a verdade de todos seus acidentes, uma vez que cada uma envolve a seu modo todas as outras e o universo inteiro.
Para todas essas proposições que compreendem o tempo e a existência, nós só podemos afirmar a veracidade dos predicados a posteriori, depois que eles se apresentem para nós como reais: “… Deus, vendo a noção individual ou a ecceidade de Alexandre Magno, nela vê ao mesmo tempo o fundamento e a razão de todos os predicado que verdadeiramente dele se podem afirmar, como, por exemplo, que vencerá Dario e Poro, e até mesmo conhecer nela a priori se morreu de morte natural ou envenenado, o que nós só podemos saber pela história.” (Leibniz; Discurso de Metafísica)
Em toda substância individual está encerrada todas suas propriedades e apesar disso ser válido para qualquer tipo de ser, daí não se segue que toda conclusão que se possa deduzir da noção de uma substância seja logicamente necessária.
A série infinita de cada noção é determinada por um caráter lógico intrínseco à ela, porém isso não significa que ela deva ser necessariamente daquele jeito, tanto que para uma mesma “coisa” existem diversas noções. Absolutamente necessário é aquilo cujo contrário implica contradição. No caso da noção de um círculo, que pertence as verdades eternas, podemos dizer que qualquer conclusão deduzida de sua noção é necessária, uma vez que o contrário de qualquer propriedade possível do círculo é contraditório e, portanto, impossível. De outro modo, no que diz respeito às verdades contingentes, o que as noções nos informam é necessário somente por hipótese, ou por acidente. É uma necessidade referente ao encadeamento lógico entre os predicados atribuídos ao sujeito. Uma verdade contingente não é necessária como as verdades eternas, pois na sua noção, o contrário não implica contradição e é possível. A necessidade do que se sucede em uma noção em conformidade as determinações e antecipações de Deus deve ser visto como “o certo” e não como “necessário”, no sentido lógico cujo oposto implica contradição: “… se alguém fosse capaz de levar a cabo toda a demonstração, em virtude da qual provaria [a] conexão do sujeito, César, e do predicado, a sua empresa bem sucedida, mostraria efetivamente, ter a ditadura futura de César seu fundamento em sua noção ou natureza, e por ela mostrar-se-ia a razão pela qual preferiu atravessar o Rubicão a deter-se nele [...], mas não por ser necessário em si, nem pelo seu contrário implicar contradição. Quase como é razoável e certo que Deus fará sempre o melhor, embora o menos perfeito não implique contradição”. (Leibniz; Discurso de Metafísica).
Esse tipo de verdade mesmo que de direito demonstre que os predicados de um sujeito estão contidos na noção atribuída a esse sujeito, não é tão absoluta quanto as demonstrações das verdades metafísicas ou geométricas. A demonstração dos predicados de César supõe uma seqüência de elementos logicamente relacionados, que por um critério moral foi escolhida por Deus para existir, está fundada sobre o primeiro decreto livre divino “… que estabelece fazer sempre o mais perfeito”. As verdades fundamentadas em tal decreto são contingentes, como era de se esperar, pois dependem de uma ação divina que é determinada, não por regras lógicas e absolutamente necessárias, mas por regras morais do “melhor". No entanto, essas mesmas verdades são também necessárias ou “certas” na medida em que existe uma relação lógica dos predicados da série compreendida na sua noção.
Enfim, o que caracteriza uma verdade contingente existente certa ou necessária, não é nem a impossibilidade lógica do contrário, se não ela seria absolutamente necessária nem só a possibilidade lógica do contrário, o que acontece com as verdades contingentes relacionadas às “coisas possíveis”. Esse tipo de verdade possui uma perfeição lógica da série infinita contida na noção do sujeito que lhe dá o caráter necessário; e uma perfeição moral, expressa pelo ato da vontade de Deus, que garante que uma substância individual tenha uma série infinita de predicados e não outra.
O princípio que esclarece a possibilidade de uma proposição contingente ser verdadeira, como vimos, é o princípio de “Razão Suficiente”; no caso de uma proposição contingente além de ser possível, ser também existente, o princípio de sua verdade é chamado de “Princípio dos Indiscerníveis". É ele que determina que a proposição contingente existente seja de uma maneira e não de outra e que a noção do sujeito existente seja uma e não todas possíveis. Tal determinação está de acordo com a perfeição e bondade divina que leva em conta o que parece “o melhor” dentre diversas coisas e noções igualmente possíveis.
Cada substância individual é determinada desde sempre, pois, como vimos, o seu conceito já está determinado eternamente na mente de Deus. Entretanto, é precisamente tal determinação que possibilita a espontaneidade e em certos casos a liberdade das ações das substâncias. O princípio da realização das ações está sempre dentro da substância: pela determinação desde sempre da sua noção e pelo fato de um sujeito sempre compreender qualquer de seus predicados – passados, presentes ou futuros - tudo o que possa acontecer com essa substância depende do que estava prescrito em sua noção, ou seja, nela mesma.
A determinação de cada substância permite a autonomia e independência de umas em relação às outras. Suas ações não estão vinculadas a nada exterior: são resultados da atualização espontânea de seus predicados. “Em sentido metafísico, nenhum estado e nenhuma ação de uma substância individual, considerada como mero possível, é determinado por nada mais que a própria natureza dessa substância, todo indivíduo é absolutamente espontâneo em todas as suas ações.” (Luiz Henrique Lopes dos Santos; Leibniz e os futuros contingentes)
Em relação aos espíritos, a substância individual superior, devemos entender sua liberdade de forma semelhante de como falamos sobre a ação espontânea. Em toda substância individual, como já dissemos, o vínculo predicativo entre uma ação e o agente é necessário uma vez que já está determinado desde sempre no seu conceito, como qualquer outro predicado. No entanto, essa necessidade aparentemente absoluta não exclui a possibilidade de qualquer substância possuir um “futuro contingente”. No que diz respeito aos predicados de uma substância individual, neste caso uma ação, essa necessidade não possui o caráter lógico: não seria contraditório nem logicamente impossível imaginar o contrário do ato de vestir uma blusa branca, uma blusa vermelha, por exemplo, mesmo que tal ação, a de vestir a blusa branca, já estivesse determinada na noção de tal substância.
A necessidade existente, portanto, nesse vínculo entre sujeito e predicado garante que tudo que diz respeito a tal substância esteja compreendido em sua noção e, ao mesmo tempo, não exclui a possibilidade do ato livre. Para Leibniz, esse tipo de necessidade é a “necessidade condicional ou hipotética”, que se opõe à necessidade absoluta ou lógica e é a mesma, como foi citado anteriormente, que faz de uma verdade contingente, necessária.
Uma ação, assim como qualquer outro acidente de um sujeito, é sempre determinada por uma razão que não a necessidade lógica. E por esse motivo depende da vontade para existir, pois o que é logicamente necessário não depende, nem da vontade divina, para existir. A razão que determina a vontade a escolher uma opção, é a razão “do melhor”. Esse tipo de razão fez Deus escolher o melhor dos mundos possíveis. De maneira semelhante, essa razão ou regra racional, válida tanto para Deus como para nós, nos faz escolher a melhor das opções, seja vestir uma blusa branca ou vermelha, fazendo-nos agir conforme as determinações de Deus: “… pois elas [as ações voluntárias] não seriam praticadas se não se quisesse praticá-las. Também sua previsão e pré-determinação não são absolutas, mas supõe a vontade: se for certo que serão praticadas, não é menos certo que se quererá praticá-las. Essas ações voluntárias, e suas conseqüências, não acarretarão o que quer que se faça, queira-se ou não praticá-las, mas porque se fará, e porque se quererá fazer, o que conduz a elas. E isso está contido na previsão e na pré-determinação, sendo, de fato, sua razão. E a necessidade de tais acontecimentos é chamada condicional ou hipotética, ou ainda necessidade de conseqüência, porque supõe a vontade e os outros requisitos…” (Leibniz; Ensaios de Teodicéia).
A possibilidade de se falar em ação livre dentro desse mundo criado e pré-determinado detalhadamente por Deus deve levar em conta a definição de liberdade como uma autodeterminação racional: “Um ser é tanto mais livre quanto mais sua ação se determina, racionalmente, pelos componentes positivos de sua natureza própria” (Luiz Henrique Lopes dos Santos; Leibniz e os futuros contingentes). Além disso, para se considerar tal possibilidade também é preciso retomar o significado dos termos “verdade necessária” e “verdade contingente”. A necessidade das primeiras verdades se dá, pois imaginar o contrário do “ser” a qual afirma é contraditório e impossível. A necessidade das verdades contingentes, entretanto, se dá, pois imaginar o contrário do “ser” a qual afirma é imaginar um outro ser, que por uma razão divina, não foi escolhido para existir e pertencer a uma proposição afirmativa de existência atual.
No que diz respeito a possibilidade do conhecimento humano e ao alcance do nosso entendimento é também preciso fazer algumas considerações.
Exercitando sua onisciência, ao criar o mundo, Deus confronta todos os conjuntos de coisas e fatos logicamente compossíveis uns com os outros, “… que seu entendimento concebe da maneira mais adequada".Em relação a sua vontade, Deus decide dar realidade aos elementos de um desses conjuntos de compossíveis. Finalmente, ao exercer sua onipotência, Deus dá existência às coisas e fatos escolhidos.
O entendimento divino, para Leibniz exerce um papel fundamental para as ações divinas. Além de conceber todos os mundos logicamente possíveis, é também essa faculdade da mente de Deus que promove os critérios de escolha da vontade, uma vez que aí que se localiza a razão.
A substância criada, portanto, depende de Deus; primeiro no que diz respeito a seu pensamento e depois a sua vontade. Cada substância criada manifesta a glória divina e corresponde a uma visão que Ele teve de um aspecto possível do mundo. Quando Deus acha conveniente a sua visão, ou o seu pensamento, produz tal substância. Depois de criada, cada substância compreende os fenômenos do mundo que irá expressar. Os fenômenos expressados em uma, no entanto, nunca se identificam aos expressados em outra, e são no máximo proporcionais e passíveis de se corresponderem. E a causa de tal correspondência é sem dúvidas, Deus. Ele vê o universo sob todos os lados e maneiras, a partir de um ponto de vista geral que compreende a perspectiva de todas as substâncias. Por uma obrigação emanada de Deus, as substâncias se acomodam entre si e a ação que uma exerce sobre a outra só é, nessas condições, possível. Quando uma substância age, ou seja, quando sua expressão torna-se mais perfeita, como efeito, todas as outras substâncias também se modificam, para melhor ou não, segundo o que já estava inscrito em suas próprias noções.
O mundo criado por Deus por ser diferente dele comporta uma limitação. Não possui todos os atributos positivos nem o mais alto grau de realização; é, portanto, metafísica e moralmente limitado. O que a vontade divina teve a possibilidade de escolher foi aquele "… mundo em que a diversidade e a intensidade dos atributos positivos presentes em seus habitantes sejam os maiores logicamente concebíveis".(Luiz Henrique Lopes dos Santos; Leibniz e os futuros contingentes), ou seja, o mais perfeito e adequado às suas concepções do entendimento.
A inteligibilidade desse mundo, criado por Deus, ou de tudo que um entendimento possa conceber como existente – como os outros mundos logicamente possíveis -, se dá graças a conjunção de sua onisciência, onipotência e perfeição moral. Por implicar tudo isso, a inteligibilidade completa do mundo exige o conhecimento do princípio de contradição, o logicamente mais perfeito de todos os indiscerníveis. E como não podemos demonstrá-lo por nenhum tipo de análise, o conhecimento perfeito e absoluto do mundo só cabe a Ele.
Para se conhecer perfeitamente o mundo seria necessário “… entre outras coisas, ter um conceito perfeitamente adequado de cada uma das criaturas que o habita, um conceito cuja compreensão defina completamente o que por meio dele se concebe, distinguindo-o de todos os demais seres, reais ou meramente possíveis. Tudo aquilo que faz de um indivíduo o que ele é, e o distingue de todos os demais, deve estar representado na noção que Deus faz desse indivíduo – deve ser, pois, uma determinação inteligível desse indivíduo, representada por uma nota característica de seu conceito adequado".(Luiz Henrique Lopes dos Santos; Leibniz e os futuros contingentes).
E é respeitando o Princípio de Não Contradição que este mundo e também as criaturas são limitadas. Seria logicamente contraditório existir qualquer mundo desprovido de tais limitações e com pretensões à identificação com Deus. Não existe nada idêntico a Ele que só é idêntico a si mesmo. O que existe ou o que é possível de existir é diferente de Deus e não é ele, é sua criação e derivação. Não é eterno e tão pouco uma verdade necessária ou de razão.
Trabalho originalmente apresentado para a cadeira de Filosofia Moderna – FFLCH USP
A evidência da verdade para Leibniz é algo intrínseco às coisas. Seja essa coisa uma existência ou uma essência, desde que seja possível, a sua verdade é logicamente válida. Para as coisas impossíveis não há verdade. Quando uma proposição implica contradição ela é logicamente impossível e é, portanto, falsa. A construção de uma verdade absoluta é formal e é através dessa perspectiva que se chega a sua evidência analítica, no âmbito da identidade e da tautologia. As verdades são de duas espécies: as necessárias e as contingentes. As verdades necessárias são válidas para todos os mundos possíveis, pois são eternas, por outro lado, as verdades contingentes só são relativas à realidade, por tempo determinado. As primeiras também são nomeadas “verdades de razão” e as segundas de “verdades de fato”.
“Verdadeira é uma afirmação cujo predicado está incluído no sujeito” (Leibiniz; Verdades necessárias e Contingentes); em toda proposição verdadeira e afirmativa, necessária ou contingente, a noção de predicado está contida na noção do sujeito.
Uma proposição logicamente necessária é concernente a um ser de essência e é demonstrada pela análise de seus termos. É aquela que pode se resolver em proposições idênticas, cujo oposto implica contradição: necessidade metafísica ou geométrica. O princípio mais importante que determina as verdades de razão é o Princípio de Identidade que diz respeito às primeiras verdades, fundamento de todas as outras. O princípio lógico intrínseco às verdades é de caráter objetivo e independe do arbítrio divino: Deus pensa as verdades lógicas a partir da conexão lógica intrínseca a própria verdade. O que carece de tal necessidade lógica é contingente. Para as verdades de fato o princípio de identidade já não é mais demonstrável, uma vez que são verdades mais complexas, formadas de elementos heterogêneos, relativos ao mundo físico. Neste âmbito trabalha-se com outros princípios, dentre os quais o mais importante é o Princípio de Razão Suficiente. Este é o princípio mais importante para se compreender a causa dos seres que não são logicamente necessários, mas que, no entanto, possuem uma razão de ser. Uma razão de ser que não é absolutamente necessária, já que não está submetida a regras racionais de expressão lógica; é uma razão de ser determinada por regras racionais morais, e não lógicas, que por sua vez também expressa a perfeição de Deus, particularmente a Sua bondade. As verdades contingentes são concernentes às existências das coisas, verdadeiras em um tempo determinado e “… não só expressam o que pertence à possibilidade das coisas, mas também o que existe atualmente ou o que contingentemente haveria de existir…” (Leibniz; Verdades necessárias e contingentes).
Apesar de serem de dois tipos, as verdades encerram quatro classes de seres, cada uma determinada por um princípio específico.
Dentre as proposições necessárias, existem as absolutamente necessárias ou virtualmente idênticas e as derivadas dessas. Ambos os tipos anunciam verdades eternas que existiriam mesmo que Deus tivesse criado o mundo segundo outra norma.
A primeira classe de seres pertencente à esfera das essências e das verdades necessárias é a dos seres completos, idênticos, absolutos, primeiros possíveis, que são levados ao infinito por causa própria, que não se contradizem entre si, que são indefiníveis e que, finalmente, são noções primitivas e absolutamente simples, atributos de Deus: são as formas que compõe metafisicamente esse Ser. A esses seres diz respeito as proposições absolutamente necessárias. Como veremos mais adiante, são os definidores e a razão última do seres da segunda classe (exemplo: números primos, axiomas geométricos como “ponto”, “espaço”). A classe dos Idênticos é infinita e é regida pelo Princípio de Identidade ou de não contradição.
A segunda classe de seres também relativa às essências e verdades necessárias é a dos definíveis. Um termo definível é aquele que tem sua identidade posta por meio de pelo menos dois outros termos (os definidores), por exemplo: o número “3” é definido por “2” e “1”. Os definíveis são noções derivadas. São simples, as que se definem por meio de duas noções primitivas sob uma relação simples; são noções derivadas compostas, as que são definidas por meio de três primitivas ou uma primitiva e uma derivada simples sob uma relação composta (exemplo: a “linha”, que é definida pelo espaço intermediário entre dois pontos).
Os seres definíveis dependem de relações ou combinatórias entre as formas absolutas, mas continuam sendo independentes de qualquer arbítrio: a relação lógica necessária dessa combinatória não depende de nenhum ato de criação e vontade. Deus, constituído de formas absolutas e como um infinito em si, possui em sua mente essa outra classe de seres, que por sua vez, também é um infinito. Esse segundo infinito, diferente do infinito dos seres idênticos, não é regido pelo princípio de identidade, propriamente dito, mas por um Princípio de Similitude. Um infinito não em si, mas por uma causa. É o infinito dos seres “extensos” e dos relativamente simples.
A terceira classe de seres está inserida em uma terceira ordem de infinito, que abarca os seres chamados, por Deleuze (Deleuze; Leibniz: a dobra) de “coisas”. As verdades relativas a essa classe são as contingentes. Por não ser nem absoluta nem relativamente simples, uma “coisa” não é suscetível de análise que demonstre seu princípio de identidade, ou seja, que todo predicado atribuído ao sujeito de que é noção já está contido nela.
Sabemos que uma coisa, entendida como sujeito, pode ter mais de uma noção. Para um mesmo sujeito, neste caso coisa, Deus pensa várias noções logicamente possíveis. Por esse motivo, portanto, que a verdade referente a esses seres é contingente: se, assim como Deus, também podemos pensar que é possível existir diferentes noções para um mesmo sujeito sem que nenhuma delas implique contradição, o que determina a veracidade relativa a esses sujeitos e predicados não é um princípio lógico, determinante somente das verdades chamadas de “necessárias”, mas um princípio contingente. Tal princípio é chamado de “Razão Suficiente”. Toda noção possível de um sujeito é constituída de uma série lógica ordenada por regras racionais inerentes a Deus. Um sujeito ou uma coisa tem tantas noções quanto possibilidades de séries lógicas. Sendo toda noção uma série lógica, a série de cada uma deve ser necessariamente da maneira que é, caso contrário não seria ela mesma. O que observamos aqui é que apesar de uma noção ser uma série necessariamente lógica de relações entre os predicados de um sujeito, o oposto dessa série lógica ou o oposto dessa noção relativa ao mesmo sujeito não é contraditório ou impossível. Diferente dos seres Idênticos e dos Definíveis, as “coisas” são seres mais complexos e a necessidade que possuem não é tão absoluta quanto a dos seres de verdades eternas. Essa é a classe da realidade possível.
Enfim, a quarta classe de seres é o das substâncias individuais ou mônadas que constituem a realidade atual. As verdades relativas a tais seres continuam sendo contingentes. Não são mais coisas possíveis, nem identidades ou extensões: são individualidades existentes. Não são formas, grandezas ou coisas, são substâncias. Se tomada como sujeito, os predicados da noção de uma substância formam ainda uma série lógica infinita assim como as coisas. Porém, a diferença entre “coisa” e substância, é que esta existe em conformidade com somente uma noção, enquanto uma “coisa”, tomada como sujeito, possui várias noções possíveis. Na verdade, uma substância é uma “coisa” que passa a existir, e a noção da substância existente é uma das noções possíveis da “coisa”. Ao passar da realidade possível para a atual, uma noção torna-se existente graças a uma escolha divina. Entre todas as noções possíveis, Deus, através de um critério “do melhor” e “mais perfeito”, atualiza o maior número possível de noções compossíveis e harmônicas entre si. Por um ato de vontade Deus cria o mundo real que é o “melhor dos possíveis”.
O mundo criado, ou seja, a realidade atual é uma série única e infinita. Para a classe de seres do mundo real o infinito adquire um quarto sentido. O infinito define-se por uma lei de ordem que classifica e transforma as séries infinitas existentes em cada noção atualizadas num conjunto: o conjunto atualmente infinito do mundo.
Cada indivíduo real ou mônada contém em si e expressa inteiramente a mesma série infinita única, embora expressem claramente somente uma porção dela. As substâncias distinguem-se entre si por suas maneiras internas e particulares de expressar esse mundo: a singularidade de cada uma.
Sendo a evidência de uma verdade algo intrínseco às coisas, em relação às substâncias individuais, dotadas de verdades contingentes, a verdade de seus acidentes está também incluída no sujeito. Porém, nem indefinidas análises dos termos de uma proposição que as tome como sujeito demonstram a identidade ou o termo comum da substância e seus predicados. A razão das verdades concernentes a existência das coisas só é compreendida a priori pela mente de Deus, que é infinita, e não pode ser demonstrada por nenhuma análise.
Os predicados de uma substância individual exprimem seus estados em momentos diversos: a sua noção expressa o que pertence a possibilidade das coisas ou o que existe atualmente ou que contingentemente haveria de existir. A razão para essas verdades contingentes serem como são, não pode ser descoberta sem o conhecimento perfeito de todas as partes do universo, o que está fora do alcance de qualquer criatura: “… las partes de culquier cuerpo son actualmente infinitas; por lo cual, ni el sol ni cuerpo alguno puede ser perfectamente conocido por una criatura…” (Leibniz; Verdades Necessárias e Contingentes) Deus não precisa fazer a análise das verdades contingentes, ou de um ente contingente, pois vê a partir da noção de cada substância individual a verdade de todos seus acidentes, uma vez que cada uma envolve a seu modo todas as outras e o universo inteiro.
Para todas essas proposições que compreendem o tempo e a existência, nós só podemos afirmar a veracidade dos predicados a posteriori, depois que eles se apresentem para nós como reais: “… Deus, vendo a noção individual ou a ecceidade de Alexandre Magno, nela vê ao mesmo tempo o fundamento e a razão de todos os predicado que verdadeiramente dele se podem afirmar, como, por exemplo, que vencerá Dario e Poro, e até mesmo conhecer nela a priori se morreu de morte natural ou envenenado, o que nós só podemos saber pela história.” (Leibniz; Discurso de Metafísica)
Em toda substância individual está encerrada todas suas propriedades e apesar disso ser válido para qualquer tipo de ser, daí não se segue que toda conclusão que se possa deduzir da noção de uma substância seja logicamente necessária.
A série infinita de cada noção é determinada por um caráter lógico intrínseco à ela, porém isso não significa que ela deva ser necessariamente daquele jeito, tanto que para uma mesma “coisa” existem diversas noções. Absolutamente necessário é aquilo cujo contrário implica contradição. No caso da noção de um círculo, que pertence as verdades eternas, podemos dizer que qualquer conclusão deduzida de sua noção é necessária, uma vez que o contrário de qualquer propriedade possível do círculo é contraditório e, portanto, impossível. De outro modo, no que diz respeito às verdades contingentes, o que as noções nos informam é necessário somente por hipótese, ou por acidente. É uma necessidade referente ao encadeamento lógico entre os predicados atribuídos ao sujeito. Uma verdade contingente não é necessária como as verdades eternas, pois na sua noção, o contrário não implica contradição e é possível. A necessidade do que se sucede em uma noção em conformidade as determinações e antecipações de Deus deve ser visto como “o certo” e não como “necessário”, no sentido lógico cujo oposto implica contradição: “… se alguém fosse capaz de levar a cabo toda a demonstração, em virtude da qual provaria [a] conexão do sujeito, César, e do predicado, a sua empresa bem sucedida, mostraria efetivamente, ter a ditadura futura de César seu fundamento em sua noção ou natureza, e por ela mostrar-se-ia a razão pela qual preferiu atravessar o Rubicão a deter-se nele [...], mas não por ser necessário em si, nem pelo seu contrário implicar contradição. Quase como é razoável e certo que Deus fará sempre o melhor, embora o menos perfeito não implique contradição”. (Leibniz; Discurso de Metafísica).
Esse tipo de verdade mesmo que de direito demonstre que os predicados de um sujeito estão contidos na noção atribuída a esse sujeito, não é tão absoluta quanto as demonstrações das verdades metafísicas ou geométricas. A demonstração dos predicados de César supõe uma seqüência de elementos logicamente relacionados, que por um critério moral foi escolhida por Deus para existir, está fundada sobre o primeiro decreto livre divino “… que estabelece fazer sempre o mais perfeito”. As verdades fundamentadas em tal decreto são contingentes, como era de se esperar, pois dependem de uma ação divina que é determinada, não por regras lógicas e absolutamente necessárias, mas por regras morais do “melhor". No entanto, essas mesmas verdades são também necessárias ou “certas” na medida em que existe uma relação lógica dos predicados da série compreendida na sua noção.
Enfim, o que caracteriza uma verdade contingente existente certa ou necessária, não é nem a impossibilidade lógica do contrário, se não ela seria absolutamente necessária nem só a possibilidade lógica do contrário, o que acontece com as verdades contingentes relacionadas às “coisas possíveis”. Esse tipo de verdade possui uma perfeição lógica da série infinita contida na noção do sujeito que lhe dá o caráter necessário; e uma perfeição moral, expressa pelo ato da vontade de Deus, que garante que uma substância individual tenha uma série infinita de predicados e não outra.
O princípio que esclarece a possibilidade de uma proposição contingente ser verdadeira, como vimos, é o princípio de “Razão Suficiente”; no caso de uma proposição contingente além de ser possível, ser também existente, o princípio de sua verdade é chamado de “Princípio dos Indiscerníveis". É ele que determina que a proposição contingente existente seja de uma maneira e não de outra e que a noção do sujeito existente seja uma e não todas possíveis. Tal determinação está de acordo com a perfeição e bondade divina que leva em conta o que parece “o melhor” dentre diversas coisas e noções igualmente possíveis.
Cada substância individual é determinada desde sempre, pois, como vimos, o seu conceito já está determinado eternamente na mente de Deus. Entretanto, é precisamente tal determinação que possibilita a espontaneidade e em certos casos a liberdade das ações das substâncias. O princípio da realização das ações está sempre dentro da substância: pela determinação desde sempre da sua noção e pelo fato de um sujeito sempre compreender qualquer de seus predicados – passados, presentes ou futuros - tudo o que possa acontecer com essa substância depende do que estava prescrito em sua noção, ou seja, nela mesma.
A determinação de cada substância permite a autonomia e independência de umas em relação às outras. Suas ações não estão vinculadas a nada exterior: são resultados da atualização espontânea de seus predicados. “Em sentido metafísico, nenhum estado e nenhuma ação de uma substância individual, considerada como mero possível, é determinado por nada mais que a própria natureza dessa substância, todo indivíduo é absolutamente espontâneo em todas as suas ações.” (Luiz Henrique Lopes dos Santos; Leibniz e os futuros contingentes)
Em relação aos espíritos, a substância individual superior, devemos entender sua liberdade de forma semelhante de como falamos sobre a ação espontânea. Em toda substância individual, como já dissemos, o vínculo predicativo entre uma ação e o agente é necessário uma vez que já está determinado desde sempre no seu conceito, como qualquer outro predicado. No entanto, essa necessidade aparentemente absoluta não exclui a possibilidade de qualquer substância possuir um “futuro contingente”. No que diz respeito aos predicados de uma substância individual, neste caso uma ação, essa necessidade não possui o caráter lógico: não seria contraditório nem logicamente impossível imaginar o contrário do ato de vestir uma blusa branca, uma blusa vermelha, por exemplo, mesmo que tal ação, a de vestir a blusa branca, já estivesse determinada na noção de tal substância.
A necessidade existente, portanto, nesse vínculo entre sujeito e predicado garante que tudo que diz respeito a tal substância esteja compreendido em sua noção e, ao mesmo tempo, não exclui a possibilidade do ato livre. Para Leibniz, esse tipo de necessidade é a “necessidade condicional ou hipotética”, que se opõe à necessidade absoluta ou lógica e é a mesma, como foi citado anteriormente, que faz de uma verdade contingente, necessária.
Uma ação, assim como qualquer outro acidente de um sujeito, é sempre determinada por uma razão que não a necessidade lógica. E por esse motivo depende da vontade para existir, pois o que é logicamente necessário não depende, nem da vontade divina, para existir. A razão que determina a vontade a escolher uma opção, é a razão “do melhor”. Esse tipo de razão fez Deus escolher o melhor dos mundos possíveis. De maneira semelhante, essa razão ou regra racional, válida tanto para Deus como para nós, nos faz escolher a melhor das opções, seja vestir uma blusa branca ou vermelha, fazendo-nos agir conforme as determinações de Deus: “… pois elas [as ações voluntárias] não seriam praticadas se não se quisesse praticá-las. Também sua previsão e pré-determinação não são absolutas, mas supõe a vontade: se for certo que serão praticadas, não é menos certo que se quererá praticá-las. Essas ações voluntárias, e suas conseqüências, não acarretarão o que quer que se faça, queira-se ou não praticá-las, mas porque se fará, e porque se quererá fazer, o que conduz a elas. E isso está contido na previsão e na pré-determinação, sendo, de fato, sua razão. E a necessidade de tais acontecimentos é chamada condicional ou hipotética, ou ainda necessidade de conseqüência, porque supõe a vontade e os outros requisitos…” (Leibniz; Ensaios de Teodicéia).
A possibilidade de se falar em ação livre dentro desse mundo criado e pré-determinado detalhadamente por Deus deve levar em conta a definição de liberdade como uma autodeterminação racional: “Um ser é tanto mais livre quanto mais sua ação se determina, racionalmente, pelos componentes positivos de sua natureza própria” (Luiz Henrique Lopes dos Santos; Leibniz e os futuros contingentes). Além disso, para se considerar tal possibilidade também é preciso retomar o significado dos termos “verdade necessária” e “verdade contingente”. A necessidade das primeiras verdades se dá, pois imaginar o contrário do “ser” a qual afirma é contraditório e impossível. A necessidade das verdades contingentes, entretanto, se dá, pois imaginar o contrário do “ser” a qual afirma é imaginar um outro ser, que por uma razão divina, não foi escolhido para existir e pertencer a uma proposição afirmativa de existência atual.
No que diz respeito a possibilidade do conhecimento humano e ao alcance do nosso entendimento é também preciso fazer algumas considerações.
Exercitando sua onisciência, ao criar o mundo, Deus confronta todos os conjuntos de coisas e fatos logicamente compossíveis uns com os outros, “… que seu entendimento concebe da maneira mais adequada".Em relação a sua vontade, Deus decide dar realidade aos elementos de um desses conjuntos de compossíveis. Finalmente, ao exercer sua onipotência, Deus dá existência às coisas e fatos escolhidos.
O entendimento divino, para Leibniz exerce um papel fundamental para as ações divinas. Além de conceber todos os mundos logicamente possíveis, é também essa faculdade da mente de Deus que promove os critérios de escolha da vontade, uma vez que aí que se localiza a razão.
A substância criada, portanto, depende de Deus; primeiro no que diz respeito a seu pensamento e depois a sua vontade. Cada substância criada manifesta a glória divina e corresponde a uma visão que Ele teve de um aspecto possível do mundo. Quando Deus acha conveniente a sua visão, ou o seu pensamento, produz tal substância. Depois de criada, cada substância compreende os fenômenos do mundo que irá expressar. Os fenômenos expressados em uma, no entanto, nunca se identificam aos expressados em outra, e são no máximo proporcionais e passíveis de se corresponderem. E a causa de tal correspondência é sem dúvidas, Deus. Ele vê o universo sob todos os lados e maneiras, a partir de um ponto de vista geral que compreende a perspectiva de todas as substâncias. Por uma obrigação emanada de Deus, as substâncias se acomodam entre si e a ação que uma exerce sobre a outra só é, nessas condições, possível. Quando uma substância age, ou seja, quando sua expressão torna-se mais perfeita, como efeito, todas as outras substâncias também se modificam, para melhor ou não, segundo o que já estava inscrito em suas próprias noções.
O mundo criado por Deus por ser diferente dele comporta uma limitação. Não possui todos os atributos positivos nem o mais alto grau de realização; é, portanto, metafísica e moralmente limitado. O que a vontade divina teve a possibilidade de escolher foi aquele "… mundo em que a diversidade e a intensidade dos atributos positivos presentes em seus habitantes sejam os maiores logicamente concebíveis".(Luiz Henrique Lopes dos Santos; Leibniz e os futuros contingentes), ou seja, o mais perfeito e adequado às suas concepções do entendimento.
A inteligibilidade desse mundo, criado por Deus, ou de tudo que um entendimento possa conceber como existente – como os outros mundos logicamente possíveis -, se dá graças a conjunção de sua onisciência, onipotência e perfeição moral. Por implicar tudo isso, a inteligibilidade completa do mundo exige o conhecimento do princípio de contradição, o logicamente mais perfeito de todos os indiscerníveis. E como não podemos demonstrá-lo por nenhum tipo de análise, o conhecimento perfeito e absoluto do mundo só cabe a Ele.
Para se conhecer perfeitamente o mundo seria necessário “… entre outras coisas, ter um conceito perfeitamente adequado de cada uma das criaturas que o habita, um conceito cuja compreensão defina completamente o que por meio dele se concebe, distinguindo-o de todos os demais seres, reais ou meramente possíveis. Tudo aquilo que faz de um indivíduo o que ele é, e o distingue de todos os demais, deve estar representado na noção que Deus faz desse indivíduo – deve ser, pois, uma determinação inteligível desse indivíduo, representada por uma nota característica de seu conceito adequado".(Luiz Henrique Lopes dos Santos; Leibniz e os futuros contingentes).
E é respeitando o Princípio de Não Contradição que este mundo e também as criaturas são limitadas. Seria logicamente contraditório existir qualquer mundo desprovido de tais limitações e com pretensões à identificação com Deus. Não existe nada idêntico a Ele que só é idêntico a si mesmo. O que existe ou o que é possível de existir é diferente de Deus e não é ele, é sua criação e derivação. Não é eterno e tão pouco uma verdade necessária ou de razão.
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