Martinho Lutero, cujo nome em alemão
era Martin Luther ou Luder, era filho de Hans Luther e Margarethe
Lindemann. Mudou-se para Mansfeld,
onde seu pai dirigia várias minas de cobre. Tendo sido criado no campo, Hans
Luther desejava que seu filho viesse a se tornar um funcionário público;
melhorando, assim, as condições da famÃlia. Com esse objetivo, enviou o jovem
Martinho para escolas em Mansfeld, Magdeburgo
e Eisenach.
Aos dezessete anos, em 1501,
Lutero ingressou na Universidade de Erfurt,
onde tocava alaúde e recebeu o apelido
de "O filósofo". O jovem estudante graduou-se bacharel em 1502
e concluiu o mestrado em 1505,
sendo o segundo entre dezessete candidatos[7].
Seguindo os desejos paternos, inscreveu-se na escola de Direito da mesma
Universidade. Mas tudo mudou após uma grande tempestade com descargas elétricas,
ocorrida naquele mesmo ano (1505):
um raio caiu próximo de onde ele estava passando, ao voltar de uma visita Ã
casa dos pais. Aterrorizado, gritou então: "Ajuda-me, Sant'Ana!
Eu me tornarei um monge!"
Tendo sobrevivido aos raios, deixou a faculdade, vendeu todos os seus livros,
com exceção dos de VirgÃlio,
e entrou para a ordem dos Agostinianos,
de Erfurt, a 17
de julho de 1505.[8]
Vida monástica e acadêmica
O jovem Martinho Lutero dedicou-se por completo à vida no mosteiro,
empenhando-se em realizar boas obras a fim de agradar a Deus e servir ao próximo
através de orações por suas almas. Dedicou-se intensamente à meditação, à s
autoflagelações, às muitas horas de oração diárias, às peregrinações e
à confissão. Quanto mais tentava ser agradável ao Senhor, mais se dava conta
de seus pecados
Johann von Staupitz, o superior de Lutero, concluiu que o jovem necessitava de mais
trabalhos, para afastar-se de sua excessiva reflexão. Ordenou, portanto, ao monge que iniciasse uma carreira acadêmica. Em 1507, Lutero foi ordenado sacerdote. Em 1508, começou a lecionar Teologia na Universidade de Wittenberg. Lutero recebeu seu bacharelado em Estudos BÃblicos a 19 de março de 1508.
Dois anos depois, visitou Roma, de onde regressou bastante decepcionado.
Em 19 de outubro de 1512, Martinho Lutero graduou-se Doutor em Teologia e, em 21 de outubro do mesmo ano, foi "recebido no Senado da Faculdade Teológica" com o tÃtulo de "Doutor em BÃblia". Em 1515, foi nomeado vigário de sua ordem tendo sob sua autoridade onze monastérios.
Durante esse perÃodo, estudou grego e hebraico, para aprofundar-se no significado e origem das palavras utilizadas nas
Escrituras - conhecimentos que logo utilizaria para a sua própria tradução da
BÃblia.
A teologia da graça de Lutero
O desejo de obter títulos académicos levaram Lutero a estudar as Escrituras em profundidade. Influenciado por sua formaço humanista
a buscar "ad fontes" (nas fontes), mergulhou nos estudos sobre a Igreja Primitiva. Devido a isso, termos como "penitência" e "honestidade" ganharam novo significado para ele.
Já convencido de que a Igreja havia distorcido sua visão acerca de várias das verdades do Cristianismo
ensinadas nas Escrituras - sendo a mais importante delas a doutrina da chamada "Justificação" apenas pela fé; ele começou a ensinar que a Salvação era um benefício concedido apenas por Deus, dado pela Graça divina através de Jesus Cristo e recebido apenas por meio da fé.
Mais tarde, Lutero definiu e reintroduziu o princípio da distinção própria entre a Torá (Pentateuco, ou Lei Mosaica) e os Evangelhos,
que reforçavam sua teologia da graça. Em consequência, Lutero acreditava que seu princópio de interpretação era um ponto inicial essencial para o estudo das Escrituras. Notou, ainda, que a falta de clareza na distinção da Lei e dos Evangelhos, era a causa da incorreta compreensão dos Evangelhos de Jesus pela Igreja de seu tempo, instituição a quem responsabilizava pela criação e fomento de muitos erros acerca de princópios teológicos fundamentais.
A controvérsia acerca das indulgências
Além de suas atividades como professor, Martinho Lutero ainda colaborava como pregador e confessor na igreja de Santa Maria, na cidade. Também pregava habitualmente na igreja do Castelo (chamada de "Todos os Santos" - porque ali havia uma coleção de relÃquias, estabelecidas por Frederico II de Sabóia).Foi durante esse perÃodo que o jovem sacerdote se deu conta dos problemas que o oferecimento de indulgências aos fiéis, como se esses fossem fregueses, poderiam acarretar.
A indulgência
é a remissão (parcial ou total) do castigo temporal imputado a alguém por conta dos seus pecados. Naquele tempo qualquer pessoa poderia comprar uma indulgência, quer para si mesmo, quer para um parente já morto que estivesse no Purgatório.
O frade Johann Tetzel fora recrutado para viajar através dos territórios episcopais do arcebispo
Alberto de Mogúncia, promovendo e vendendo indulgências com o objetivo de financiar as reformas da BasÃlica de São Pedro, em Roma.
Lutero viu este tráfico de indulgências como um abuso que poderia confundir as pessoas e levá-las a confiar apenas nas indulgências, deixando de lado a confissão e o arrependimento verdadeiros. Proferiu, então, três sermões contra as indulgências em 1516 e 1517. Segundo a tradição, a 31 de outubro de 1517 foram pregadas as 95 Teses na porta da Igreja do Castelo de Wittenberg, com um convite aberto ao debate sobre elas. Essas teses condenavam a avareza e o paganismo na Igreja como um abuso, e pediam um debate teológico sobre o que as Indulgências significavam. Para todos os efeitos, contudo, nelas Lutero não questionava diretamente a autoridade do Papa para conceder as tais indulgências.
As 95 Teses foram logo traduzidas para o alemão e amplamente copiadas e impressas. Ao cabo de duas semanas se haviam espalhado por toda a Alemanha e, em dois meses, por toda a Europa.
Este foi o primeiro episódio da História em que a imprensa teve papel fundamental, pois facilita a distribuição simples e ampla de qualquer documento.
A resposta do Papado
Depois de fazer pouco caso de Lutero, dizendo que ele seria um "alemão bêbado que escrevera as teses", e afirmando que "quando estiver sóbrio mudará de opinião"[12] o Papa Leão X ordenou, em 1518, ao professor de teologia dominicano Silvestro Mazzolini que investigasse o assunto. Este denunciou que Lutero se opunha de maneira implÃcita à autoridade do Sumo PontÃfice, quando discordava de uma de suas bulas.
Declarou ser Lutero um herege e escreveu uma refutação acadêmica às suas teses. Nela, mantinha a autoridade papal sobre a Igreja e condenava cada "desvio" como uma apostasia.
Lutero replicou de igual forma (academicamente), dando assim inÃcio à controvérsia.
Enquanto isso, Lutero tomava parte da convenção dos agostinianos em Heidelberg, onde apresentou uma tese sobre a escravidão do homem ao pecado e a graça divina. No decorrer da controvérsia sobre as indulgências, o debate se elevou até ao ponto de duvidar do poder absoluto e autoridade do Papa, pois as doutrinas de "Tesouraria da Igreja" e "Tesouraria dos
Merecimentos", que serviam para reforçar a doutrina e venda e das indulgências, haviam se baseado na bula papal "Unigenitus", de 1343, do Papa Clemente VI. Por causa de sua oposição a esta doutrina, Lutero foi qualificado como heresiarca e o Papa, decidido a suprimir por completo os seus pontos de vista, ordenou que ele fosse chamado a Roma, viagem que deixou de ser realizada por motivos polÃticos.
Lutero, que anteriormente professava a obediência implÃcita à Igreja, negava agora abertamente a autoridade papal e apelava para que fosse realizado um ConcÃlio.
Também declarava que o papado não formava parte da essência imutável da Igreja original.
Desejando manter relações amistosas com o protetor de Lutero, Frederico, o Sábio, o Papa engendrou uma tentativa final de alcançar uma solução pacÃfica para o conflito. Uma conferência com o representante papal Karl von Miltitz em Altenburg, em janeiro de 1519, levou Lutero a decidir guardar silêncio, tal qual seus opositores. Também escreveu uma humilde carta ao Papa e compôs um tratado demonstrando suas opiniões sobre a Igreja Católica. A carta nunca chegou a ser
enviada, pois não continha nenhuma retratação; e no tratado que compôs mais tarde, negou qualquer efeito das indulgências no Purgatório.
Quando Johann Eck desafiou um colega de Lutero, Andreas Carlstadt, para um debate em Leipzig,
Lutero juntou-se à discussão (27 de junho-18 de julho de 1519), no curso do qual negou o direito divino do solidéu papal e da autoridade de possuir o "poder das chaves" que, segundo ele, haviam sido outorgados à Igreja (como congregação de fé). Negou que a salvação pertencesse à Igreja Católica ocidental sob a autoridade do Papa, mas que esta se mantinha na Igreja Ortodoxa, do Oriente. Depois do debate, Eck afirmou que forçara Lutero a admitir a semelhança de sua própria doutrina com a de João Huss, que havia sido queimado na fogueira da Inquisição.
Aumenta a cisão
Lutero durante os acontecimentos
Não parecia haver esperanças de entendimento. Os escritos de Lutero
circulavam amplamente, alcançando França,
Inglaterra
e Itália,
em 1519, e os estudantes dirigiam-se a Wittenberg para escutar Lutero que,
naquele momento, publicava seus comentários sobre a EpÃstola
aos Gálatas e suas "Operationes in Psalmos" (Trabalho nos
Salmos).
As controvérsias geradas por seus escritos levaram Lutero a desenvolver suas
doutrinas mais a fundo, e o seu "Sermão sobre o Sacramento
Abençoado do Verdadeiro e Santo Corpo de Cristo, e suas Irmandades",
ampliou o significado da Eucaristia
para incluir também o perdão dos pecados e ao fortalecimento da fé naqueles
que a recebem. Além disso, ele ainda apoiava a realização de um concÃlio a
fim de restituir a comunhão.
O conceito luterano de "igreja" foi desenvolvido em seu "Von
dem Papsttum zu Rom" (Sobre o Papado de Roma), uma resposta ao ataque
do franciscano
Augustin
von Alveld, em Leipzig (junho de 1520).
Enquanto o seu "Sermon von guten Werken" (Sermão das Boas
Obras), publicado na primavera
de 1520, era contrário à doutrina católica das boas obras e dos atos como
meio de perdão, mantendo que as obras do crente são verdadeiramente boas, quer
para o secular como para o clérigo, se ordenadas por Deus.
Os tratados de 1520
A Nobreza alemã
A disputa havida em Leipzig, em 1519, fez com que Lutero travasse contato com
os humanistas,
especialmente Melanchthon,
Reuchlin
e Erasmo
de Roterdã, que por sua vez também influenciara ao nobre Franz
von Sickingen. Von Sickingen e Silvestre
de Schauenbur queriam manter Lutero sob sua proteção, convidando-o para
seus castelos na eventualidade de não ser-lhe seguro permanecer na Saxônia,
em virtude da proscrição papal.
Sob essas circunstâncias de crise, e confrontando aos nobres alemães,
Lutero escreveu "À Nobreza Cristã da Nação Alemã" (agosto
de 1520), onde recomendava ao laicado,
como um sacerdote espiritual, que fizesse a reforma requerida por Deus, mas
abandonada pelo Papa e pelo clero. Pela primeira vez Lutero referiu-se ao Papa
como o Anticristo[13].
As reformas que Lutero propunha não se referiam apenas a questões doutrinárias,
mas também aos abusos eclesiásticos:
- a diminuição do número de cardeais
e outras exigências da corte papal; - a abolição das rendas do Papa;
- o reconhecimento do governo secular;
- a renúncia da exigência papal pelo poder temporal;
- a abolição dos Interditos
e abusos relacionados com a excomunhão; - a abolição das peregrinações nocivas;
- a eliminação dos excessivos dias santos;
- a supressão dos conventos para monjas, da mendicidade e da suntuosidade;
a reforma das universidades; - a abrogação do celibato do clero;
- a união dos boêmios;
- e, finalmente, uma reforma geral na moralidade pública.
Muitas destas propostas refletiam os interesses da nobreza alemã, revoltada
com sua submissão ao Papa e, principalmente, com o fato de terem que enviar
riquezas a Roma.
O cativeiro babilônico
Lutero gerou muitas polêmicas doutrinárias com seu "Prelúdio no
Cativeiro Babilônico da Igreja", em especial no que diz respeito aos sacramentos.
- Eucaristia
- apoiava que fosse devolvido o "cálice" ao laicado; na chamada
questão do dogma da transubstanciação,
afirmava que era real a presença do corpo e do sangue do Cristo na
eucaristia, mas refutava o ensinamento de que a eucaristia era o sacrifÃcio
oferecido por Deus. - Batismo
- ensinava que trazia a justificação apenas se combinado com a fé
salvadora em o receber; de fato, mantinha o princÃpio da salvação
inclusive para aqueles que mais tarde se convertessem. - Penitência
- afirmou que sua essência consiste na palavra de promessa de desculpas
recebidas com fé.
Para ele, apenas estes três sacramentos podiam assim ser considerados, pois
sua instituição era divina e a promessa da salvação de Deus estava conexa a
eles. Contudo, em sentido estrito, apenas o batismo e a eucaristia seriam
verdadeiros sacramentos, pois apenas eles tinham o "sinal visÃvel da
instituição divina": a água no batismo e o pão e vinho da eucaristia.
Lutero negou, em seu documento, que a confirmação (Crisma),
o matrimônio, a ordenação sacerdotal e a extrema-unção
fossem sacramentos.
Liberdade de um Cristão
Da mesma forma, o completo desenvolvimento da doutrina de Lutero sobre a
salvação e a vida cristã foi exposto em "A Liberdade de um Cristão"
(publicado em 20
de novembro de 1520,
onde exigia uma completa união com Cristo mediante a palavra através da fé, e
a inteira liberdade do cristão como sacerdote e rei sobre todas as coisas
exteriores, e um perfeito amor ao próximo).
As duas teses que Lutero desenvolve nesse tratado são aparentemente
contraditórias, mas, em verdade, são complementares:
- "O cristão é um senhor libérrimo sobre tudo, a ninguém
sujeito"; - "O cristão é um servo oficiosÃssimo de tudo, a todos
sujeito".
A primeira tese é válida "na fé"; a segunda, "no
amor".
A excomunhão
A 15
de junho de 1520, o Papa advertiu Lutero, com a bula "Exsurge Domine",
onde o ameaçava com a excomunhão, a menos que, num prazo de sessenta dias,
repudiasse 41 pontos de sua doutrina, destacados pela Igreja.
Em outubro de 1520, Lutero enviou seu escrito "A Liberdade de um
Cristão" ao Papa, acrescentando a frase significativa:
- "Eu não me submeto a leis ao interpretar a palavra de Deus".
com uma proibição papal, enquanto este se pronunciara realmente a 21
de setembro. O último esforço de paz de Lutero foi seguido, em 12
de dezembro, da queima da bula, que já tinha expirado há 120 dias, e o
decreto papa de Wittenberg, defendendo-se com seus "Warum des Papstes
und seiner Jünger Bücher verbrannt sind" e "Assertio omnium
articulorum". O Papa
Leão X excomungou Lutero a 3
de janeiro de 1521,
na bula "Decet Romanum Pontificem".
A execução da proibição, com efeito, foi evitada pela relação do Papa
com Frederico
III da Saxônia, e pelo novo imperador, Carlos
I de Espanha (Carlos V de Habsburgo), que julgou inoportuno apoiar as
medidas contra Lutero, diante de sua posição face à Dieta.
O Imperador Carlos V inaugurou a Dieta
real a 22
de janeiro de 1521.
Lutero foi chamado a renunciar ou confirmar seus ditos e foi-lhe outorgado um
salvo-conduto para garantir-lhe o seguro deslocamento.
A 16
de abril, Lutero apresentou-se diante da Dieta. Johann Eck, assistente do
Arcebispo de Trier, mostrou a Lutero uma mesa cheia de cópias de seus escritos.
Perguntou-lhe, então, se os livros eram seus e se ele acreditava naquilo que as
obras diziam. Lutero pediu um tempo para pensar em sua resposta, o que lhe foi
concedido. Este, então, isolou-se em oração e depois consultou seus aliados e
amigos, apresentando-se à Dieta no dia seguinte. Quando a Dieta veio a tratar
do assunto, o conselheiro Eck pediu a Lutero que respondesse explicitamente Ã
seguinte questão:
- "Lutero, repeles seus livros e os erros que eles contêm?"
- "Que se me convençam mediante testemunho das Escrituras e claros argumentos da razão - porque não acredito nem no Papa nem nos concÃlios já que está provado amiúde que estão errados, contradizendo-se a si mesmos - pelos textos da Sagrada Escritura que citei, estou submetido a minha consciência e unido à palavra de Deus. Por isto, não posso nem quero retratar-me de nada, porque fazer algo contra a consciência não é seguro nem saudável."
- "Não posso fazer outra coisa, esta é a minha posição. Que Deus me ajude![14]
qual o destino de Lutero. Antes que a decisão fosse tomada, Lutero abandonou
Worms. Durante seu regresso a Wittenberg, desapareceu.
O Imperador redigiu o Édito
de Worms a 25
de maio de 1521, declarando Martinho Lutero fugitivo e herege, e
proscrevendo suas obras.
Processo Romano
Em Junho de 1518, foi aberto o processo contra Lutero, com base na publicação
das suas 95
Teses. Alegava-se, com o exame do processo, que ele incorria em heresia.
Nas aulas que ministrava na Universidade de Wittenberg, espiões registravam
seus comentários negativos sobre a excomunhão.
Depois disso, em agosto de 1518, o processo foi alterado para heresia notória.
Lutero foi convidado a ir a Roma, onde teria que desmentir sua doutrina.
Lutero recusou-se a fazê-lo, alegando razões de saúde; e pretendeu uma
audiência em território alemão. O seu pedido baseava-se no argumento (Gravamina)
da Nação Alemã. Seu pedido foi aceito, ele foi convidado para uma audiência
com o cardeal
Caetano
de Vio (Tomás Caetano), durante a reunião das cortes (Reichstag)
imperiais de Augsburg. Entre 12 e 14 de outubro de 1518,
Lutero falou a Caetano. Este pediu-lhe que revogasse sua doutrina. Lutero
recusou-se a fazê-lo.
Do lado romano, o caso pareceu terminado. Por causa da morte de Imperador
Maximiliano I (Janeiro de 1519),
houve uma pausa de dois anos no andamento do processo. O Imperador tinha
decidido que o seu sucessor seria Carlos (futuro Carlos
V). Por causa das pertenças de Carlos em Itália, o papa renascentista Leão
X receava o cerco do Estado da Igreja e procurava evitar que os prÃncipes-eleitores
alemães (Kurfürsten)
renunciassem a Carlos.
O papel de protetor de Lutero assumido por Frederico,
o sábio, levou a que Roma pedisse que Karl von Miltiz intercedesse junto ao
prÃncipe por uma solução razoável. Após a escolha de Carlos
V como imperador (26
de junho de 1519),
o processo de Lutero voltaria a ser alvo de preocupações e trabalhos.
Em junho de 1520,
reapareceu a ameaça no escrito "Exsurge Domini" e, em janeiro de
1521, a bula "Decet Romanum Pontificem" excomungou
Lutero. Seguiu-se, então, a ameaça oficial do imperador
(Reichsacht).
Notável é, no entanto, que Lutero foi, mais uma vez, recebido em audiência,
o que também deixou claras as diferenças entre o papado e o império.
Carlos foi o último rei (após uma reconciliação) a ser coroado imperador
pelo papa. Nos dias 17 e 18 de Abril de 1521
Lutero foi ouvido na Dieta
de Worms (conferência governativa) e, após ter negado a revogação da sua
doutrina, foi publicado o Édito
de Worms, banindo Lutero.
ExÃlio no Castelo de Wartburg
O seqüestro de Lutero durante a sua viagem de regresso da Dieta
de Worms foi arranjado. Frederico,
o sábio ordenou que Lutero fosse capturado por um grupo de homens
mascarados a cavalo, que o levaram para o Castelo
de Wartburg, em Eisenach,
onde ele permaneceu por cerca de um ano. Deixou crescer a barba e tomou as
vestes de um cavaleiro, assumindo o pseudônimo
de Jörg.
Durante esse perÃodo de retiro forçado, Lutero trabalhou na sua célebre tradução
da BÃblia
para o alemão.
Com o inÃcio da estadia de Lutero em Wartburg, começou um perÃodo muito
construtivo de sua carreira como reformista. Em seu "Deserto"
ou "Patmos"
(como ele mesmo chamava, em suas cartas) de Wartburg, começou a tradução da BÃblia,
da qual foi impresso o Novo Testamento, em setembro de 1522.
Em Wartburg, ele produziu outros escritos, preparou a primeira parte de seu Guia
para Párocos e "Von der Beichte" (Sobre a Confissão),
em que nega a obrigatoriedade da confissão,
e admite como saudável a confissão privada voluntária. Também escreveu
contra o Arcebispo
Albrecht,
a quem obrigou, com isso, a desistir de retomar a venda das indulgências. Em
seus ataques a Jacobus
Latomus, avançou em sua visão sobre a relação entre a graça
e a lei, assim como sobre a natureza revelada pelo Cristo, distinguindo o
objetivo da graça de Deus para o pecador que, por acreditar, é justificado por
Deus devido à justiça de Cristo, pois a graça salvadora reside dentro do
homem pecador. Ainda mostrou que o "princÃpio da justificação" é
insuficiente, ante a persistência do pecado depois do batismo - pela inerência
do pecado em cada boa obra.
Lutero, amiúde, escrevia cartas a seus amigos e aliados, respondendo-lhes ou
perguntando-lhes por seus pontos de vista e respondendo-lhes aos pedidos de
conselhos. Por exemplo, Felipe
Melanchthon lhe escreveu perguntando como responder à acusação de que os
reformistas renegavam a peregrinação e outras formas tradicionais de piedade.
Lutero respondeu-lhe em 1
de agosto de 1521:
- "Se és um pregador da misericórdia, não pregues uma misericórdia imaginária, mas sim uma verdadeira. Se a misericórdia é verdadeira, deve penitenciar ao pecado verdadeiro, não imaginário. Deus não salva apenas aqueles que são pecadores imaginários. Conheça o pecador, e veja se os seus pecados são fortes, mas deixai que tua confiança em Cristo seja ainda mais forte, e que se alegre em Cristo que é o vencedor sobre o pecado, a morte e o mundo. Cometeremos pecados enquanto estivermos aqui, porque nesta vida não há um só lugar onde resida a justiça. Nós todos, sem embargo, disse Pedro (2ª Pedro 3:13), estamos buscando mais além um novo céu e uma nova terra onde a justiça reinará".
Enquanto isso, alguns sacerdotes saxônicos
haviam renunciado ao voto de castidade, ao mesmo tempo em que outros tantos
atacavam os votos monásticos. Lutero, em seu De votis monasticis (Sobre
os votos monásticos), aconselhava-os a ter mais cautela, aceitando, no
fundo, que os votos eram geralmente tomados "com a intenção da salvação
ou à busca de justificação". Com a aprovação de Lutero em seu
"De abroganda missa privata (Sobre a abrogação da missa privada),
mas contra a firme oposição de seu prior,
os agostinianos de Wittenberg realizaram a troca das formas de adoração e
terminaram com as missas. Sua violência e intolerância certamente desagradaram
Lutero que, em princÃpios de dezembro, passou alguns dias entre eles. Ao
retornar para Wartburg, escreveu "Eine treue Vermahnung... vor Aufruhr
und Empörung" (Uma sincera admoestação
por Martinho Lutero a todos os cristãos para que se resguardem da insurreição
e rebelião). Apesar disso, em Wittengerg, Carlstadt
e o ex-agostiniano Gabriel
Zwilling reclamavam a abolição da missa privada e da comunhão em duas espécies,
assim como a eliminação das imagens nas igrejas e a abrogação do celibato.
Regresso a Wittenberg e os Sermões
Invocavit
No final do ano de 1521, os anabatistas
de Zwickau se
entregam à anarquia.
Contrário a tais concepções radicais e temendo seus resultados, Lutero
regressou em segredo a Wittenberg, em 6
de março de 1522.
Durante oito dias, a partir de 9
de março (domigo de Invocavit)
e concluindo no domingo seguinte, Lutero pregou outros tantos sermões que
tornaram-se conhecidos como os "Sermões de Invocavit".
Nessas pregações, Lutero aconselhou uma reforma cuidadosa, que leve em
consideração a consciência daqueles que ainda não estivessem persuadidos a
acolher a Reforma.
A consagração do pão foi restaurada por um tempo e o cálice sagrado foi
ministrado somente àqueles do laicado que o desejaram. O cânon
das missas, devido ao seu caráter imolatório, foi suprimido. Devido ao
sacramento da confissão ter sido abolido, verificou-se a necessidade que muitas
pessoas ainda tinham de confessar-se em busca do perdão. Esta nova forma de
serviço foi dada a Lutero em "Formula missæ et communionis" (Fórmula
da missa e Comunhão), de 1523. Em 1524 surgiu o primeiro hinário de Wittenberg,
com quatro hinos.
Como aquela parte da Saxônia
era governada pelo Duque
Jorge, que proibira seus escritos, Lutero declarou que a autoridade civil não
podia promulgar leis para a alma. Fez isso em sua obra: "Ãœber die
weltliche Gewalt, wie weit man ihr Gehorsam schuldig sei" (Autoridade
Temporal: em que medida deve ser obedecida).
Matrimônio e famÃlia
Em abril de 1523,
Lutero ajudou 12 freiras
a escaparem do cativeiro no Convento
de Nimbschen.
Entre essas freiras encontrava-se Catarina
von Bora, filha de nobre famÃlia , com quem veio a se casar, em 13
de junho de 1525.
Dessa união nasceram seis filhos: Johannes, Elisabeth, Magdalena, Martin, Paul
e Margaretha.
O casamento de Lutero com a ex-freira cisterciense
incentivou o casamento de outros padres e freiras que haviam adotado a Reforma.
Foi um rompimento definitivo com a Igreja Romana.
A guerra dos camponeses
A guerra
dos camponeses (1524-1525)
foi, de muitas maneiras, uma resposta aos discursos de Lutero e de outros
reformadores. Revoltas de camponeses já tinham existido em pequena escala em Flandres
(1321-1323),
na França (1358),
na Inglaterra (1381-1388),
durante as guerras hussitas
do século
XV, e muitas outras até o século
XVIII. Mas muitos camponeses julgaram que os ataques verbais de Lutero Ã
Igreja e sua hierarquia significavam que os reformadores iriam igualmente apoiar
um ataque armado à hierarquia social. Por causa dos fortes laços entre a nobreza
hereditária e os lÃderes da Igreja que Lutero condenava, isso não seria
surpreendente.
Já em 1522,
enquanto Lutero estava em Wartburg, alguns de seus colaboradores perverteram
seus ensinamentos e passaram a pregar mensagens revolucionárias por toda a
Alemanha. Enfatizava-se a formação de um grupo de "santos"
(espalharam boatos de que esses santos, seriam a causa da derrota da Igreja Católica),
com a tarefa de lutar contra a autoridade constituÃda e promover a aniquilação
dos "Ãmpios" (i.e. a Igreja Católica). Um desses pregadores foi Tomas
Müntzer.
A mensagem escatológica de Müntzer,
na verdade, pouco tinha a ver com a proposta dos camponeses. Tanto assim que ele
procurou a nobreza da Saxônia
para obter apoio. Com a negativa desta e a eclosão dos conflitos camponeses no
sudoeste alemão, ele logo viu o instrumento para a concretização de seus
planos.
Lutero, desde cedo, prevenira a nobreza e os próprios camponeses sobre uma
possÃvel a revolta e, particularmente, sobre Müntzer, classificando-o como um
dos "profetas do assassÃnio" e colocando-o como um dos
mentores do movimento camponês. Lutero escreveu a "TerrÃvel História
e JuÃzo de Deus sobre Tomas
Müntzer", inaugurando essa linha de pensamento.
Na iminência da revolta (1524), Lutero escreveu a "Carta aos PrÃncipes
da Saxônia sobre o EspÃrito Revoltoso", mostrando a tirania dos
nobres que oprimiam o povo e a loucura dos camponeses em reagir através da força
e a confiar em Müntzer como pregador. Houve pouca repercussão sobre esse
escrito.
Ainda em 1524, Müntzer mudou-se para a cidade
imperial de Mühlhausen,
oferecendo-se como pregador. Lutero escreveu a "Carta Aberta aos
Burgomestres, Conselho e toda a Comunidade da Cidade de Mühlhausen",
com o propósito de alertar sobre as intenções de Müntzer. Também esse
escrito não teve repercussão, pois o conselho da cidade se limitou a pedir
informações sobre Müntzer na cidade imperial de Weimar.
O principal escrito dos camponeses eram os "Doze Artigos",
onde suas reivindicações eram expostas. Neles havia artigos de fundo teológico
(direito de ouvir o Evangelho através de pregadores chamados por eles próprios)
e artigos que tratavam dos maus tratos (exploração nos impostos, etc.)
impostos a eles pelos nobres. Os artigos eram fundamentados com passagens bÃblicas
e dizia-se que se alguém pudesse provar pelas Escrituras que aquelas reivindicações
eram injustas, eles as abandonariam. Entre aqueles que se consideravam dignos de
fazer tal coisa estava o nome de Martinho Lutero.
De fato, Lutero escreveu sobre os "Doze artigos" em seu
livro "Exortação à Paz: Resposta aos Doze artigos do Campesinato da Suábia",
de 1525. Nele, Lutero ataca os prÃncipes e senhores por cometerem injustiças
contra os camponeses e ataca os camponeses pela rebelião e desrespeito Ã
autoridade.
Também esse escrito não teve repercussão e, durante uma viagem pela região
da TurÃngia,
Lutero pôde testemunhar as revoltas camponesas, o que o motivou a escrever o
"Adendo: Contra as Hordas Salteadoras e Assassinas dos Camponeses".
Tratava-se de um apêndice de "Exortação à Paz...", mas que,
rapidamente, tornou-se um livro separado. O Adendo foi publicado quando a
revolta camponesa já estava no final e os prÃncipes cometiam atrocidades
contra os camponeses derrotados, de modo que o escrito causou grande revolta da
opinião pública contra Lutero. Nele, Lutero encorajava os prÃncipes a
castigarem os camponeses até mesmo com a morte.
Essa repercussão negativa obrigou Lutero a pregar um sermão no dia de pentecostes,
em 1525, que se tornou o livro "Posicionamento do Dr. Martinho Lutero
Sobre o Livrinho Contra os Camponeses Assaltantes e Assassinos", onde o
reformador contesta os crÃticos e reafirma sua posição anterior.
Como ainda havia repercussão negativa, Lutero novamente se posicionou sobre
a questão no seu "Carta Aberta a Respeito do Rigoroso Livrinho Contra
os Camponeses", onde lamenta e exorta contra a crueldade que estava
sendo praticada pelos prÃncipes, mas reafirma sua posição anterior.
Por fim, a pedido de um amigo, o cavaleiro
Assa
von Kram, Lutero redigiu "Acerca da Questão, Se Também Militares
Ocupam uma Função Bem-Aventurada", em 1526,
com o propósito de esclarecer questões sobre consciência do cristão em caso
de guerra e sua função como militar.
A discordância com João Calvino
No movimento reformista (também chamado de Reforma),
Lutero não concordou como o "estilo" de reforma de João
Calvino. Martinho Lutero queria reformar a Igreja
Primitiva, enquanto João Calvino, acreditava que a Igreja estava tão
degenerada, que não havia como reformá-la. Calvino se propunha a organizar uma
nova Igreja que, na sua doutrina (e também em alguns costumes), seria idêntica
à Igreja Primitiva. Já Lutero decidiu reformá-la, fundando, então, o Protestantismo,
que não seguia tradições, mas apenas a doutrina registrada na BÃblia,
e cujos usos e costumes não ficariam presos a convenções ou épocas. A
doutrina luterana está explicitada no "Livro de Concórdia", e
não muda, embora os costumes e formas variem de acordo com a localidade e a época.
Obras importantes
Foi o autor de uma das primeiras traduções da BÃblia
para alemão,
algo que, naquela época, não era permitido pela Igreja católica sem especial
autorização eclesiástica. Lutero, contudo, não foi o primeiro tradutor da BÃblia
para alemão. Já havia traduções mais antigas. A tradução de Lutero, no
entanto, suplantou as anteriores porque, além da qualidade da tradução, foi
amplamente divulgada em decorrência da sua difusão por meio da imprensa,
desenvolvida por Gutenberg,
em 1453.
O latim, lÃngua
do extinto Império
Romano, permanecia a lingua
franca européia, imediatamente conotada com o passado romano glorioso,
uma era de ciência, de progresso econômico e civilizacional, sendo também a lÃngua
dos textos sagrados, tal como tinham sido transmitidos à s provÃncias do Império.
Por mais longÃnquas que fossem, nos menos de cem anos que separam a oficialização
da religião cristã pelo Imperador Romano Teodósio
I em 380 d.C. e a
deposição do último imperador de Roma pelo Germânico Odoacro,
em 476 d.C.(data avançada
por Edward
Gibbon e convencionalmente aceita como ano da queda do Império
Romano do Ocidente), toda a região, de forma mais ou menos homogênea, se
cristianizou. O fim da perseguição à religião cristã pelo império romano
se deu em 313 d.C. (Ver: Édito
de Milão, ConcÃlio
de Niceia, Constantino
I, A
história do declÃnio e queda do império romano, Santo
Jerónimo).
No entanto, o domÃnio do latim
era, no século
XVI, no fim da Idade
Média (terminada oficialmente em 1453,
com a tomada de Constantinopla
pelos Otomanos)
e princÃpio da chamada Idade
Moderna, apenas o privilégio de uma percentagem Ãnfima de população
instruÃda, entre os quais os elementos da própria Igreja.
A tradução de Lutero para o alemão foi simultaneamente um ato de desobediência
e um pilar da sistematização do que viria a ser a lÃngua
alemã, até aà vista como uma lÃngua inferior, dos servos e ignorantes.
É preciso adicionar que Lutero não se opunha ao latim, e chegou mesmo a
publicar uma edição revisada da tradução latina da BÃblia (Vulgata).
Lutero escrevia tanto em latim como em alemão. A tradução da BÃblia para o
alemão não significou, portanto, rejeição do latim como lÃngua acadêmica.
Foi também autor da polêmica obra "Sobre
os judeus e suas mentiras". Pouco conhecida, mas muito apreciada pelo
próprio Lutero, foi sua resposta a "Diatribe"
de Erasmo
de Roterdã intitulada De
servo arbitrio (TÃtulo da publicação em português: Da vontade
cativa).
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